O desembargador do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), Mario Soares Caymmi Gomes, que publicou um edital com três posições de estágio no seu trabalho exclusivo para pessoas LGBT+ – posteriormente vetado pelo Tribunal – enfrenta agora uma queixa disciplinar. A medida partiu da presidência do tribunal e pode resultar em punições.
Este é talvez o primeiro caso explícito de LGBTfobia institucional no Judiciário“, declarou o desembargador à coluna. O presidente do TJBA, Nilson Soares Castelo Branco, acusa o desembargador de ter extrapolado os limites da liberdade de expressão e dever de prudência e cautela que deve nortear as manifestações dos integrantes do Poder Judiciário, por conta de entrevista concedida por Gomes após o veto do edital.
gomes recebeu a notificação em 28 de junho – Dia Internacional do Orgulho LGBT+ – Isso é você tem 15 dias para se defender.
Ele é abertamente gay e ferrenho defensor dos direitos da população LGBT+. O desembargador começou a se envolver mais ativamente na causa em dezembro de 2020, quando propôs e viu aprovado um Comissão para a Promoção da Igualdade e Políticas Afirmativas sobre questões de gênero e orientação sexual. No início deste ano, ela decidiu dedicar as três vagas de estágio de seu escritório a esse grupo específico de pessoas.
lançou um perceber que tinha como prioridade a contratação de transgêneros e travestis ou, posteriormente, gays e lésbicas assumidos e, preferencialmente, negros. Além disso, afirmou expressamente que pessoas heterossexuais não seriam contratadas.
Essa portaria foi vetada pelo corregedor-geral da Justiça da Bahia, desembargador José Edivaldo Rocha Rotondano. ele considerou que seria irracional impedir que as pessoas participem do processo.
Gomes recorreu ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mas não conseguiu reverter a decisão. O CNJ não discutiu o sistema de cotas. acabei de dizer isso os juízes não podem praticar política afirmativa sem o consentimento prévio do tribunal a que estão vinculados.
A publicação do edital, por si só, gerou enorme polêmica no Estado. Mas os ânimos esquentaram depois que a juíza concedeu uma entrevista ao programa “OAB no Rádio”, no dia 5 de maio.
A conversa foi sobre “empregabilidade para a população LGBT+” e ele falou sobre o caso do edital vetado. Em determinado momento da entrevista, ele disse que o fato de o veto vir de “um inspetor que é gay, mesmo que não se assuma” lhe causava muito desconforto..
Na denúncia disciplinar contra o desembargador, Castelo Branco, presidente do TJBA, afirma que desde a lavratura do edital, Imagem do tribunal “foi vilipendiada” porque “fatos inverídicos e distorcidos” sobre as ações e políticas públicas desenvolvidas pelo tribunal foram divulgados nas redes sociais. Afirma ainda que a entrevista concedida pelo juiz – após o veto do edital – “reacendeu o assunto em maior proporção e repercussão”.
Castelo Branco acusa o juiz de ter extrapolou os limites da liberdade de expressão e o dever de prudência e cautela que devem nortear as manifestações dos membros do Judiciário. “Ao falar sobre a decisão de lavrar o magistrado, ele fez uma declaração de caráter ofensivo dirigida ao membro da diretoria do tribunal, além de fazer um julgamento depreciativo”, diz.
Como a denúncia envolve o desembargador geral, o presidente do tribunal optou por encaminhar o documento ao desembargador das comarcas do interior, desembargador Jatahy Júnior. Castelo Branco pede que os factos sejam apurados e que proponha, se assim o entender, a instauração de processo administrativo disciplinar contra o magistrado.
A coluna entrou em contato com a assessoria de imprensa do tribunal. Ele solicitou um posicionamento institucional da Corte e pediu para ouvir o magistrado, mas não obteve retorno até a publicação da nota.
O juiz Mário Gomes diz estar surpreso com a agilidade como está indo o caso. “Foi distribuído às 14h41 e às 14h48 já havia uma decisão de duas páginas nos autos ordenando a minha intimação”.
Ele afirma não ter falado mal do tribunal durante a entrevista e diz ter citado o inspetor geral em um contexto. “Não é como se eles me chamassem para uma entrevista e eu os acusasse aleatoriamente. Não foi isso que aconteceu.”
Gomes vê esse processo como uma forma de retaliação e preconceito. Além disso, como a denúncia envolve o presidente e os dois magistrados, o juiz diz que não está conseguindo advogado. “Ninguém quer ser alienado”, diz ele.
Procurada pelo juiz, a Associação dos Magistrados da Bahia (Amab) negou o pedido de assessoria jurídica. Ele alegou que havia um “conflito de interesses” neste caso.
“Abstenção significa não agir a favor ou contra nenhuma das partes envolvidas”, diz a Amab em nota enviada à coluna, acrescentando que “não patrocina causas em que se discutem interesses opostos de associados”.
Originalmente publicado em https://valor.globo.com/legislacao/valor-juridico/coluna/tribunal-abre-reclamacao-disciplinar-contra-juiz-que-propos-vagas-de-estagio-so-para-pessoas-lgbt.ghtml
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