Salvador lidera em número de chacinas na Bahia; veja bairros mais afetados

 





Ao longo dos últimos três anos, 454 pessoas foram mortas em 124 chacinas registradas em Salvador e Região Metropolitana (RMS). A maioria dessas ocorrências, que culminou na morte de pelo menos três pessoas cada, foi comandada por agentes de segurança pública do Estado. Ao todo, foram 85 chacinas policiais, que levaram 324 pessoas a óbito, de acordo com dados divulgados pelo Instituto Fogo Cruzado (IFC).

Somente neste ano, entre janeiro e 17 de outubro, 109 pessoas morreram em chacinas em Salvador e RMS, um aumento de 58% em relação ao mesmo período do ano passado. Do total de vítimas, 85 foram mortas em ações policiais, representando um aumento de 112% em apenas um ano, já que em 2024, no mesmo período analisado, havia registro de 40 mortes nas mesmas circunstâncias.

Para Samuel Vida, coordenador do Programa Direito e Relações Raciais da Universidade Federal da Bahia (Ufba), há uma espiral ascendente no número de mortes em razão da opção política do governo estadual por apostar no confronto e na letalidade.


“Essas escolhas se expressam em várias manifestações diretas e indiretas, como a ativa sabotagem ao uso das câmeras corporais, a adoção de uma Instrução Normativa inconstitucional que impedia a Polícia Civil de apurar as mortes provocadas em ações da Polícia Militar por quase quatro anos, bem como a ampliação de unidades de confronto e alta letalidade”, afirma.


Ele ainda cita o “respaldo governamental” em episódios emblemáticos dos últimos anos, como a Chacina do Cabula (12 mortos), a Chacina da Gamboa (três mortos), a Chacina de Fazenda Coutos (12 pessoas mortas), o sequestro e desaparecimento do adolescente Davi Fiúza, e o sequestro, decapitação e esquartejamento de Geovane Mascarenhas no interior de uma unidade da Rondesp.


Vale frisar que, nas chacinas decorrentes de ação policial, metade das mortes ocorreu em ações das unidades Rondesp (Atlântico, Central e Baía de Todos os Santos), que figuram entre as que mais acumulam vítimas em operações policiais. Essas mesmas equipes aparecem, inclusive, no plano de ações de combate à letalidade policial divulgado pela Secretaria de Segurança Pública (SSP-BA) em outubro, como algumas das que mais fizeram vítimas fatais em todo o estado em 2025.


Entre as cidades com maior número de casos levantados pelo IFC, Salvador lidera com 84 mortos em chacinas neste ano. Os episódios que culminaram em morte aconteceram principalmente nos bairros de Fazenda Coutos (16), Curuzu (seis), Rio Sena (seis), Fazenda Grande do Retiro (quatro) e Federação (quatro). Além de Salvador, Camaçari registrou 14 casos; Lauro de Freitas, oito; e Dias D’Ávila, três.


Tailane Muniz, coordenadora regional do Instituto Fogo Cruzado na Bahia, analisa que as chacinas são mais frequentes nos locais em que facções atuam e onde há uma política de segurança centrada no confronto. “Temos determinado número de áreas na cidade onde há muitos conflitos por territórios e outros em áreas onde a polícia participa de mais confrontos”, diz.


“Esses dados deveriam servir de base para o planejamento da segurança pública, com foco em promover mudanças reais. Esse modelo de operação policial com alta letalidade não deu resultado em nenhum lugar, em nenhuma época. É preciso pontuar também que não é só a presença de grupos armados que esses bairros têm em comum, mas a ausência considerável ou total de políticas complementares, o que coloca os moradores dessas regiões em um contexto histórico de vulnerabilidade”, acrescenta Tailane.



Nas chacinas policiais, 98% das vítimas são homens e, entre as identificadas, 100% são pessoas negras. Além disso, 5% das vítimas eram adolescentes. No que diz respeito às circunstâncias da morte, o IFC identificou que 7% das vítimas foram mortas dentro de residências e 7% em veículos.


Nos casos em que as chacinas são promovidas por criminosos, a maioria ocorre no contexto de disputas. Samuel Vida entende que o fracasso das políticas de investigação e responsabilização penal, somado à ausência de políticas sociais e de garantias de direitos nas comunidades vulneráveis, contribui para a ocorrência desses casos.


Para frear esses episódios, Tailane enxerga a necessidade de uma atuação articulada por parte dos agentes da segurança pública baiana. “É preciso, por exemplo, controlar a venda de armamentos e investigar homicídios. A Bahia tem a pior taxa de resolução do Brasil, e isso é sintomático. A ação policial não pode se resumir à operação; ela precisa envolver investigação, prevenção, inteligência — tudo que as polícias foram deixando de fazer para focar seus recursos em ações e operações cada vez mais letais”, ressalta.


Nesta terça-feira (4), mais de 400 policiais civis e militares participaram da Operação Freedom, que bloqueou 51 contas bancárias e prendeu 37 suspeitos de envolvimento com a facção Comando Vermelho na Bahia e no Ceará. Um dos suspeitos morreu durante a ação, que contou com o apoio da Superintendência de Inteligência da Secretaria da Segurança Pública (SI/SSP-BA) e do Departamento de Polícia Técnica (DPT).


A operação, que teve o objetivo de enfraquecer a estrutura criminosa, apreender armas e bens, prender lideranças e interromper o fluxo de recursos ilícitos usados para sustentar o tráfico e os homicídios, foi mencionada pelo governador Jerônimo Rodrigues (PT) durante o anúncio de novos investimentos e medidas para a segurança pública na manhã desta terça. Ele disse que não vai fugir do cenário de violência enfrentado pela população e que pretende aumentar as forças.


“Nós estamos a cada dia realizando investimentos, seja na construção e entrega de delegacias, de pelotões e de equipamentos. Estou falando de contratações, de concurso. Em dezembro, nós vamos chamar e colocar nas ruas mais 2 mil policiais militares e vamos convocar mais quase 700 da reserva”, disse.



Jerônimo ainda reconheceu o impacto das ações policiais contra o crime organizado realizadas nas comunidades mais vulneráveis. “Quem paga a conta é a comunidade negra. Quem vai embora são os nossos filhos negros, a nossa juventude”, pontuou.


Antes da operação, o governo também anunciou, no mês passado, um plano de ações que visa reduzir em até 10% a letalidade policial no estado, semestralmente. Outra meta é ampliar para 30% a quantidade de registros feitos com câmeras corporais operacionais (CCOs).


Para os especialistas, as práticas institucionalizadas desenvolvidas pelo governo estadual na segurança pública precisam deixar de ser apenas “para inglês ver”. “São práticas anunciadas para reduzir o crescente desgaste junto à população. O maior exemplo se dá na sistemática sabotagem das câmeras corporais nas unidades policiais de alto confronto. É uma aposta na subestimação da inteligência da população, após 19 anos de desenfreada expansão da violência estatal, apresentar peças de propaganda vazias, que sequer têm adequado suporte orçamentário, às vésperas de uma eleição”, critica Samuel.


A Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) foi procurada para se posicionar sobre o número de chacinas registradas nos últimos três anos e para responder quais medidas vêm sendo adotadas para impedir novas ocorrências do tipo, mas não respondeu até a publicação desta reportagem.



Fonte Correio 


Disparos atingiram fachadas de imóveis no Curuz Crédito: Arisson Marinho/Arquivo CORREIO

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