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Gato e dono de Land Rover entre inscritos para programas sociais


Filhas (em pé) de Maria das Dores brincam no interior do barraco da família no Pavão-Pavãozinho
Foto: O Globo / Domingos Peixoto

Billy é um gato de sorte. Ganhou sobrenome e entrou no cadastro do Bolsa Família. O dono do bichano, Eurico Siqueira da Rosa, era o coordenador do programa na cidade de Antônio João (MS) — e incluir o nome do gato da família é uma das fraudes pelas quais ele responde em duas ações na Justiça Federal. É um exemplo das irregularidades contra o Bolsa Família no país, que incluem ainda o caso de um dono de Land Rover na Paraíba inscrito no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) do governo federal.


“Um agente de Saúde de Antônio João/MS (...) requereu à sra. Raquel que levasse seu filho, Billy Flores da Rosa, ao posto médico para que fosse realizada pesagem”, afirma a denúncia do MPF, ajuizada na Justiça Federal de Ponta Porã em 2009. “Para surpresa do agente, Raquel informou que Billy era seu gatinho de estimação”.Segundo a Justiça Federal de Mato Grosso do Sul, a ação penal na qual o agora ex-coordenador do Bolsa Família em Antônio João é réu — por “inserção de dados falsos em sistema” da administração pública — está nas alegações finais de MPF e defesa. Já a ação por improbidade administrativa ainda está na fase de depoimentos.

Chamada para esclarecimentos, “a sra. Raquel, ciente de que havia delatado o marido, informou que o correto seria (o nome) de um sobrinho”. Depois, para “frustrar as investigações”, o nome do sobrinho foi trocado pelo de uma sobrinha, e o da mulher de Eurico, pelo da cunhada. Segundo o MPF, Eurico confessou o cadastro do gato.
Na Paraíba, a Operação Pão e Circo, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime (Gaeco) do MP estadual com a PF e a CGU em junho, descobriu que um empresário de Guarabira (PB) dono de uma agência de eventos — envolvida no esquema alvo da operação, de fraudes em licitações e outras irregularidades em eventos no estado — teria usado como “laranjas” moradores de baixa renda inscritos no CadÚnico.
— Um dos laranjas, de Rio Tinto (PB), tem em seu nome uma Land Rover e mais seis veículos, além de uma empresa — afirma Octávio Paulo Neto, promotor do Gaeco do MP-PB.
No Amapá, o MPF investiga uso eleitoral do Bolsa Família. Segundo denúncia de julho, a chefe de uma colônia de pescadores teria cadastrado moradores das cidades de Itaubal e Amapá “retendo carteiras de identidade”, diz a procuradora regional eleitoral Damaris Baggio, para obrigá-los a votar em determinado candidato.
Também no Amapá, o procurador George Lodder abriu inquérito civil público ano passado para apurar “ineficiente cadastramento dos amapaenses no Bolsa Família”. Despacho no inquérito diz que uma reformulação feita no CadÚnico atingiu três cidades no estado; nas outras, a internet era “insuficiente”.
Enquanto fraudes desviam recursos do Bolsa Família, brasileiros que precisam do auxílio ainda estão sem ele. Luciara Guimarães e Gilvan Ferreira estão acampados há um ano na beira de uma estrada de Porto Nacional, em Tocantins. Partiram para lá com o filho Giovani, de 5 anos. Josué Caleb, de 8 meses, nasceu na casa sem banheiro, água, luz. Não estão inscritos no Bolsa Família ou em qualquer outro programa federal. Em julho, advogados se ofereceram para cadastrá-los.
— Tive medo. Queriam 30% do que a gente ia receber — diz Gilvan. — Aqui tem mosquito, violência. Uma guerra. Mas estou estudando para concurso de motorista. Quero melhorar.
No Rio, Maria das Dores Lino Gomes, de 30 anos, mora há mais de cinco anos num barraco no “Caranguejo”, um dos pontos mais altos do Pavão-Pavãozinho, com seis filhos. Sem vaga em creche e sem ter com quem deixar as crianças, não trabalha. E não recebe Bolsa Família, pois, conta, seu endereço constaria como sendo o da ex-sogra, que já tem o benefício:
— Meu ex-marido, pai das crianças, é que traz a comida da gente toda semana.
O Ministério do Desenvolvimento Social afirma que as fraudes no Bolsa Família “são menos de 0,5% em 13,46 milhões de famílias” e que “sempre que há irregularidade promove o desligamento do beneficiário, o mesmo devolve os recursos recebidos indevidamente e fica sujeito às medidas judiciais”.
— O Bolsa Família é o programa que chega realmente aos mais pobres. Cobre quase 25% da população e custa menos de 0,5% do PIB — diz Marcelo Néri, presidente do Ipea.










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