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DOIS PRESOS, DUAS MEDIDAS



A possibilidade de aguardar seu julgamento em liberdade,concedida à médica Kátia Vargas, acusada de ter provocado o acidente que matou os irmãos Emanuel e Emanuelle Gomes Dias, despertou o questionamento sobre a aplicação da lei em casos que envolvem grande comoção pública. Se, por um lado, era nítido que, pela lei, Kátia já deveria ter sido liberada, por outro, há casos ainda mais absurdos acontecendo na Bahia.

O motorista de ônibus Jocival Pinto, acusado de atropelar o médico Raymundo Pereira da Silva no início de 2013, teve a prisão preventiva decretada seis dias após o crime e aguarda o julgamento em regime fechado há 11 meses. Jocival foi indiciado por três tentativas de homicídio -- Raymundo, sua esposa e sua irmã - agravadas por motivo fútil e falta de possibilidade de defesa das vítimas. Já a médica Kátia Vargas, libertada na última segunda (16), foi indiciada por duplo homicídio qualificado.

O questionamento feito pelos parentes do motorista é: por que Jocival está em regime fechado, aguardando o julga mento que não tem previsão para acontecer? Advogados especializados, envolvidos nos casos, ou não, foram ouvidos pela Metrópole para esclarecer a situação.

"Só comoção não é fundamento"

Na época do acidente, o juiz Rogério Miguel Rossi justificou a prisão preventiva do motorista alegando a comoção pública do caso. Segundo Rossi, a prisão buscava evitar o sentimento generalizado de impunidade. "A gente acredita que foi um excesso, tendo em vista a qualificação e os requisitos que ele atende para responder a acusação em liberdade. Ele [o juiz não trouxe nenhuma outra fundamentação, o que a gente já esperava, porque não há nenhum outro motivo para ele responder o processo preso", explica o advogado de defesa do rodoviário, Marcos Pereira.

Para o advogado criminalista Márcio Bellazzi, a comoção popular pode interferir na decisão do júri, mas não se pode decretar prisões por isso. "A comoção popular por si só não é fundamento para a decretação de prisão e nem requisito para o pedido de prisão preventiva. De acordo com o Superior Tribunal Federal, o clamor social tem de estar ligado a outro fator. Além do mais, a comoção generalizada é algo muito fluido. Se fossemos levá-lo ao pé da letra, seria permitido até o linchamento", diz.

"Podemos acabar culpando a pessoa errada"

Para a vice-presidente do Conselho Regional de Psicologia da Bahia, Ammila di Paula Carvalho, a comoção social pode desencadear um comportamento de massa. "Quando estamos diante de muitas emoções, os teóricos creem que acaba acontecendo um processo de contágio em que essas emoções acabam repercutindo. E elas se manifestam de forma coletiva", diz.

Segundo Ammila, esse sentimento coletivo pode influenciar diretamente o andamento da Justiça e possibilitar erros. "Se nos mobilizarmos pelo desejo de culpar alguém, podemos acabar culpando a pessoa errada, e, dentro da nossa sociedade altamente preconceituosa, geralmente nós culparíamos pessoas em situação de vulnerabilidade social. As pessoas acabam fazendo uma pressão para que o processo judiciário acabe mais rápido e pode acabar fazendo com que, em defesa dessa ideia de que a justiça tem que ser feita [de forma rápida], outras pessoas cometam outros crimes, por exemplo", explica.

Para a psicóloga, estas ações são motivadas pela necessidade de se encontrar culpados. "Apontar um culpado pode ser uma forma de diminuir a dor, da pessoa se sentir melhor, psiquicamente falando", afirma.

"É um caso menos grave"

O advogado do rodoviário, Marcos Pereira, diz que há semelhança entre os casos de Jocival Pinto e Kátia Vargas, mas reclama que o episódio que envolveu seu cliente deveria ter mais atenção da Justiça, uma vez que o acidente não foi fatal. "O caso de meu cliente teria um menor potencial. A vida, bem mais valorizada dentro do ordenamento jurídico, não foi abalada. As pessoas tiveram lesões, mas, graças a Deus, estão todos vivos. É um caso menos grave, com certeza. Houve soltura em um caso semelhante e, no caso de Jocival, a decisão foi completamente diferente", critica o advogado.

Segundo Antônio Tanure, advogado do médico atropelado pelo rodoviário, o que mantém o réu preso são as provas colhidas pela acusação. Segundo Tanure, o cobrador do veículo no dia do crime, considerado testemunha chave da defesa, caiu em contradição várias vezes e foi até alertado sobre mentir em juízo.

Questão financeira é decisiva
Segundo Antônio Tanure, advogado do médico Raymundo Pereira, se a defesa do rodoviário tivesse feito uma perícia à parte, como a realizada pela defesa de Kátia Vargas, o processo poderia ter sido diferente. "Talvez, se o motorista tivesse passado por uma perícia e o psicólogo provasse que foi apenas um ataque de fúria, poderia até ser. Mas o advogado dele não pediu isso, não foi feito. Poderia se ele tivesse uma defesa mais preparada, com mais argumentação", criticou.

O advogado do rodoviário, porém, explica que o réu não tinha condições financeiras de contratar uma perícia paralela. "A gente está falando de um motorista de ônibus, um assalariado que mora em uma comunidade carente da nossa cidade. Então, ele não teria condições de custear uma perícia particular para que trouxesse informações que possam divergir com a tese levantada pelo Ministério Público", explica.

"Jogando para a plateia"

O perito Ricardo Molina, contratado pela defesa da médica Kátia Vargas para contestar a perícia feita pelo Departamento de Polícia Técnica do Estado da Bahia (DPT-BA), criticou a exposição do caso do qual faz parte e a influência da comoção Pública nas decisões tomadas pela polícia.

"Eu nunca vi um inquérito de um caso tão grave se encerrar em três dias no Brasil. Isso é uma coisa inédita. No dia seguinte, já teve o pedido de prisão preventiva, depois a denúncia relâmpago. Parece que estava todo mundo jogando para a plateia, mais preocupado em dar uma satisfação à opinião pública do que em realmente apurar os fatos", disse Molina, em entrevista à Rádio Metrópole na última terça-feira (17).

METRO1

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