O governo Lula (PT) se recusa a responder um pedido via Lei de Acesso à Informação com dados completos sobre uma viagem da primeira-dama, Rosângela Silva, a Janja, para Nova York, em março deste ano. Houve negativa em três instâncias sobre o local de hospedagem, valores gastos e a fonte dos recursos.
Janja foi em março para um evento da ONU (Organização das Nações Unidas) em Nova York, cidade onde está novamente. A primeira-dama vai acompanhar Lula durante a agenda da Assembleia-Geral da ONU, mas chegou com dias de antecedência para alguns compromissos.
A Folha pede as informações sobre a viagem de Janja por meio da LAI (Lei de Acesso à Informação) desde 24 de abril. O último recurso está em análise pela CGU (Controladoria-Geral da União), que iria julgá-lo até o fim de setembro mas prorrogou o prazo até o 1º de outubro ao alegar “complexidade da matéria”.
Janja esteve em Nova York em março para integrar a comitiva brasileira do Ministério das Mulheres durante a 68ª sessão da Comissão sobre a Situação da Mulher, da ONU. Ela foi designada por Lula para participar do evento na condição de socióloga, segundo publicado no Diário Oficial da União.
Os questionamentos da reportagem passaram por vários ministérios, além da assessoria da própria primeira-dama. Mas ainda há lacunas sobre a viagem.
A assessoria de Janja apresentou informações desencontradas. Inicialmente, respondeu que ela havia se hospedado na casa de terceiros. Depois, alterou a mensagem e passou a afirmar que ficara na residência oficial brasileira em Nova York.
Ao responder a um primeiro pedido de LAI, o Ministério das Mulheres informou que Janja recebeu da pasta apenas passagens aéreas e o seguro viagem sem pagamento de diárias para hospedagem e alimentação.
O painel de viagens do governo mostra que os trajetos de ida e volta da primeira-dama entre Brasília e Nova York saíram por R$ 43,4 mil.
A Folha ingressou com um novo pedido via LAI, dessa vez para o Palácio do Planalto. Esse pedido questionava onde Janja se hospedou, a fonte de recursos para hospedagem e alimentação, valor total gasto e número de servidores que a acompanharam.
O gabinete pessoal do presidente da República respondeu inicialmente que o assunto caberia ao Ministério das Mulheres, em uma resposta classificada como conclusiva —procedimento diferente do usual, uma vez que há previsão de transferência interna de pedidos entre pastas, com nova contagem de prazo.
A secretária-executiva da Casa Civil, Miriam Belchior, negou depois um recurso em que se argumentava que o Ministério das Mulheres já havia se manifestado (embora não tenha atendido ao pedido integralmente).
A resposta nessa instância justificou a negativa reforçando que Janja não havia recebido diárias, seja do Ministério das Mulheres, seja da Presidência da República. Diárias, no entanto, são apenas um dos mecanismos usados para gastos em viagens. As despesas do presidente, seus familiares diretos e os agentes que fazem sua segurança costumam ser feitos por outros meios.
A secretária-executiva ainda lançou mão de outra justificativa para negar o recurso. Citou que a legislação prevê que “informações cuja divulgação possam pôr em risco a segurança de altas autoridades e seus familiares são reservadas e têm sua divulgação restrita”.
Já o terceiro recurso foi negado pelo ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), Marcos Antonio Amaro. Este apenas ratificou a resposta da instância anterior.
Questionado por que o Planalto se recusou a fornecer os dados, em três instâncias, sendo que as mesmas informações referentes às viagens do próprio presidente Lula são tornadas públicas, a Secom disse em nota que os questionamentos por LAI “são respondido dentro dos próprios processos”.
A Secom também não respondeu aos pedidos sobre hospedagem e custos de viagem.
A assessoria de Janja reforçou que “não houve custos com hospedagem” porque “a primeira-dama e seus assessores ficaram todos na residência oficial”. Questionada em qual residência oficial ela teria ficado, a assessoria não disse –o Brasil tem dois chefes de postos diplomáticos na cidade, o cônsul-geral e o chefe da missão junto à ONU.
A reportagem buscou ainda o Itamaraty e a representação oficial do Brasil na ONU. O Ministério de Relações Exteriores direcionou o questionamento para o Planalto, e a representação, por sua vez, indicou que a reportagem procurasse a equipe da Janja.
Com relação à viagem da primeira-dama a Paris, como enviada por Lula para eventos das Olimpíadas em julho, o Planalto agiu de outra forma. Respondeu prontamente, também por LAI, que Janja hospedara-se na residência oficial do embaixador brasileiro.
No caso de Paris, houve a informação de que os membros da comitiva receberam apenas metade do valor da diária, algo previsto para quando os servidores ficam hospedados em “imóvel pertencente à União ou que esteja sob administração do governo brasileiro ou de suas entidades”.
Dessa forma, o mesmo deveria ocorrer com relação à viagem de Nova York: ao ficar em residência oficial, os servidores teriam de receber só metade do valor da diária. Mas não foi o que ocorreu.
Pelo menos dois auxiliares receberam os valores integrais das diárias, segundo dados do Portal da Transparência. O Planalto também se recusou no pedido por LAI a fornecer a relação de todos os assessores na comitiva.
Um dos assessores recebeu, por sete diárias, cerca de R$ 13,7 mil. Para outro, foram pagos R$ 21,8 mil referentes a 11 diárias. A assessoria da primeira-dama não responde se os pagamentos foram indevidos ou se essas pessoas receberam valores cheios por não terem se hospedado em residência oficial, o que contrariaria resposta anterior.
Renato Machado e Marianna Holanda, Folhapress
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