16/09/14- A presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro enviou para a
Assembleia Legislativa um projeto para conceder auxílio-educação para os
filhos de juízes e servidores do Tribunal. Para os magistrados, o
auxílio mensal seria de até R$7.250,00 e para os servidores de até
R$3.000,00. Segundo Adriana Cruz (
O Dia), a proposta ainda prevê
R$ 20 mil por ano aos juízes para investirem em estudo. Os servidores
receberiam mais R$ 500. O auxílio-educação postulado pode chegar a R$9
mil, se passarem os novos vencimentos dos ministros do Supremo (para R$
35 mil). A Associação dos Juízes ainda quer mais R$ 1.100 como
auxílio-transporte.
Antes das eleições todas essas propostas
(nitidamente indecorosas) não serão votadas (porque os deputados
estaduais estão em campanha). “A Justiça parece que não entendeu o
recado das ruas, no ano passado, com as manifestações que caracterizaram
falta de representatividade. Nenhum professor do estado ganha o que os
magistrados querem de auxílio-educação”, criticou o deputado estadual
Marcelo Freixo, do Psol. No ano passado os deputados já aprovaram o
auxílio-moradia para magistrados e membros do Ministério Público sem
questionamentos. Atualmente, os valores giram em torno de R$ 5 mil,
segundo desembargadores ouvidos pelo jornal
O Dia.
É uma
incongruência manifesta os tribunais afirmarem que não há verbas para
contratar novos juízes ou para melhorar o serviço público da Justiça
(reconhecidamente moroso) e, ao mesmo tempo, pedirem mais benefícios
mensais que driblam o teto salarial dos desembargadores. A proposta
auxílio-educação é indecorosa em todos os seus aspectos, mas existe no
seu seio outra aberração inominável, que faria corar qualquer
aristocrata racista: o valor distinto para magistrados e servidores
significa o quê? Que o filho do magistrado tem que estudar em um lugar
melhor do que o do servidor, fazendo preponderar a histórica
desigualdade de classes? No tempo do Brasil colonial e imperial o sonho
de todo fidalgo era colocar o filho na “folha do Estado”. Esse sonho
cultural não acabou; a diferença é que agora já se pretende que o filho
vá para a “folha do Estado” desde o jardim da infância.
Depois de
alguns anos de vida e de muitos estudos, nada mais natural que os
humanos conquistarem incontáveis e díspares ideias e visões do mundo (
Weltanschauung).
Para transformá-las em algo valioso e útil na vida terrena, antes de
tudo devemos combiná-las e submetê-las à moral e às virtudes. A primeira
categoria a se dissipar, diante desse acurado exame, é a da vulgaridade
(todo esforço do mundo para contê-la será pouco diante dos nefastos
efeitos que ela produz ao longo das nossas transitórias existências).
Sobretudo quando governamos interesses coletivos, não há como deixar de
cultivar a moral e as virtudes, não somente porque dos dirigentes sempre
se espera exemplaridade, senão também porque são elas que conferem ao
espírito o senso do justo em sua mais profunda extensão e ao caráter a
devida elevação assim como a necessária firmeza.
Todos os humanos
que assumem o destino das coisas públicas, incluindo os juízes,
evidentemente (sobremaneira quando assumem cargos administrativos de
governança), deveriam ser obrigados a se submeterem a um curso
intensivo, se não de geometria (como postulava o espírito exigente de
Platão), ao menos de moderação, tal como pugnava Aristóteles, para afiar
a personalidade do administrador e distanciá-lo dos vícios mais
deploráveis que podem rondar o exercício do poder, nutrindo sua alma e
seu espírito de um conteúdo substancialmente sólido (apesar da sociedade
líquida que vivemos, como diz Bauman), de forma a evitar-lhe ao menos
os deslizes mais canhestros ou as tentações mais extravagantes, tal como
sugeria Stuart Mill).
Por força do princípio da moderação de
Aristóteles, para cada virtude existem ao menos dois vícios. Se queremos
promover o bem, se queremos ser exemplares para nossos filhos e
concidadãos (“Age de tal forma que a máxima do teu querer possa valer em
todo o tempo também como princípio de uma legislação geral” – Kant), o
primeiro que temos que fazer consiste sempre em evitar o cálice dos
excessos, dos vícios e das extravagâncias. A lição aristotélica nos
ensina que a coragem desdenha a covardia e a temeridade; a justiça se
afasta tanto da fraqueza como do rigor; a temperança é inimiga da
devassidão bem como da austeridade; a religião ergue-se entre a
impiedade e a superstição; a liberdade se ancora entre a escravidão e a
licença e assim vai.
Cai em desgraça infernal (tal como a narrada
por Dante) quem, fazendo uso da liberdade, sucumbe à vulgaridade e se
concede a soberba licença para promover o escatológico, o estrambólico, o
desregrado, o nauseabundo, o asqueroso, o repelente, o repugnante, o
bestial, o inconveniente, o abjeto, o sórdido, o torpe, o nefando, o
execrável, o obnóxio, o vil, o desprezível, o ignóbil ou o esquálido.
Não faltam no mundo, no entanto, pretextos e motivos para se negar a
aplicação das doutrinas mais nobres e elevadas, de quantas o humano
civilizado já produziu. Mas todas as propostas frívolas e levianas devem
ser refutadas de plano, ou seja, devem ser abandonadas à sua própria
nulidade, mesmo correndo o risco de o desprezo ser interpretado como uma
hostilidade pessoal. Toda proposta que viola a regra da moderação (de
Aristóteles) em nada edifica quem aspira deixar um nome respeitado e
glorioso. Tendo em vista o que já ganham os juízes, a razoabilidade
assim como a imperiosidade da moderação aristotélica, somos pelo NÃO ao
citado auxílio-educação.
(JusBrasil)
Professor
Jurista
e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do
Instituto Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de
Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).
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