Por Carlos Victor R. da Silva Filho / Foto Bahia Acontece
16/12/2020
O urânio é um elemento considerado comum na crosta terrestre. Tão comum quanto o ouro, cobre, estanho ou o zinco, e é um constituinte da maioria das rochas e até do mar. Já o minério de urânio é toda concentração natural de minerais na qual o urânio ocorre em concentrações que permitam sua exploração econômica dentro de um contexto estratégico. No Brasil, de acordo com a Lei Nº 4.118, de 27 de agosto de 1962, constituem monopólio da União a prospecção, a lavra, o comércio e a produção de materiais com características nucleares. Ainda assim, atualmente este monopólio está sendo motivo de muitos questionamentos, onde a ideia central é de parceria com o setor privado ligado a prospecção mineral. Embora o conhecimento geológico do urânio no Brasil seja limitado, os dados divulgados pela World Nuclear Association em 2017 apontam que o Brasil é detentor da nona maior reserva de urânio do mundo, com 276.800 mil toneladas de U3O8, em sua maior parte localizada nos Estados da Bahia e Ceará.
Além disso, apresenta diversas fontes potenciais ainda pouco estudadas. Dentre as fontes potenciais de urânio no Brasil encontra-se a Serra de Jacobina na Bahia, onde os primeiros registros da extração de ouro datam de 1701. Os primeiros a publicar a existência de urânio (uraninita) na Serra de Jacobina foram os geólogos do Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS), em 1956. Com a finalidade de verificar ocorrências que justificassem a exploração econômica na região de Jacobina, a Comissão Nacional de Energia Nuclear, em junho de 1963, estudou a região e reportou um teor médio geral de urânio de 100 ppm, ou seja, 100 gramas por tonelada de minério. Outros autores relataram teores máximos na ordem de 655 a 735 ppm, assim como uma semelhança entre os metaconglomerados auríferos da Serra de Jacobina e os existentes nas jazidas de Witwatersrand, África do Sul, onde o urânio é extraído como subproduto do minério de ouro.
Na África do Sul, os corpos auríferos de Witwatersrand, correlatos com as rochas da Serra de Jacobina, são minerados desde 1886 e contêm níveis de urânio na ordem de 100 a 300 ppm. Inicialmente, o urânio associado com ouro nessas rochas não foi aproveitado, e todo o resíduo foi despejado nas barragens de rejeito. Esta realidade só mudou na década de 1950, durante a guerra fria, quando o urânio se tornou um recurso estratégico e a primeira planta de recuperação entrou em produção. Ainda assim, estima-se que as barragens de rejeito da mina de ouro de Witwatersrand possam conter pelo menos 100.000 toneladas de urânio.
Nesse contexto, vários estudos tem demonstrado a existência de uma liberação descontrolada de urânio nas minas sul-africanas, principalmente das bacias de rejeito, o que tem causado uma série de doenças nas populações do entorno. O fato é que o urânio na Serra de Jacobina ocorre naturalmente no ambiente geológico, conforme já demonstrado por diversos autores. Nesse cenário, é provável que em baixos níveis de exposição, os efeitos radioativos possam ser tolerados pelos seres humanos, pois encontra-se seguro no subterrâneo geológico, entretanto esta é apenas uma hipótese, pois não existem estudos de Geologia Médica sobre os efeitos da radiação na população local. Em outros locais do mundo, estudos demonstram que quando minerais de uranio são trazidos a superfície e ficam acumulados nas áreas mineiras, pode existe riscos à saúde, principalmente devido as concentrações no ar, na forma de poeira, e devido a solubilidade do urânio nas águas subterrâneas.
Portanto, considerando que o urânio fornece energia “limpa”, e que hoje no mundo existem mais reatores nucleares em operação e em construção (566) do que em março de 2011, ou seja, antes do acidente de Fukushima, qualquer país que afirme ter uma política de energia limpa, necessariamente terá energia nuclear em seu portfólio.
Nesse contexto, trata-se de uma indústria em constante crescimento em um cenário economicamente favorável, uma vez que hoje existe uma forte demanda por energia limpa, assim como de uma crescente preocupação com o meio ambiente e o aquecimento global. Diante desta realidade, os minerais radioativos ganham uma nova importância, e expõe uma realidade possível: a energia nuclear proveniente do minério de urânio.
Sendo assim, no futuro, com a crescente demanda mundial por energias renováveis e limpas, somado ao fato de o Brasil ser um dos poucos países que possuem domínio da tecnologia e do ciclo do combustível nuclear, poderá o urânio da Serra de Jacobina torna-se um recurso geológico estratégico e economicamente viável?
* Carlos Victor Rios da Silva Filho é geólogo e doutor em Geologia e Geoquímica
* Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias
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