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ARTIGO: QUEM MANDA AQUI SOU EU:

 

uma análise acerca da suspensão e desativação indevida de contas em plataformas digitais


Quando se diz que algo é a base, costumamos nos referir ao alicerce, ao suporte que sustenta e mantém. Sendo a base que mantém, todo e qualquer vínculo interpessoal pressupõe um elemento base: a confiança. 

De acordo com dados de pesquisa realizada pelo Latinobarômetro, apenas 3,9% dos brasileiros confiam nas outras pessoas, e mais, quando o parâmetro são nossas instituições governamentais, a grande maioria (39,6%) compreende que há pouco em que confiar, ainda que, de forma contraditória, nosso regime político seja democrático.

O que quero dizer com isso é que, em uma sociedade em que precisamos uns dos outros, dados nos indicam que além de não confiarmos em nós, não confiamos nas instituições cujos representantes são por nós eleitos. Mas embora não expressa, a confiança nos segue nos mínimos atos. Quando aceitamos as condições e termos de uso de determinada plataforma (Instagram, Facebook, Amazon, entre diversas outras), confiamos que ela nos apresentará a contraprestação devida a nosso cadastro, seja de forma gratuita ou paga.

Não raras vezes, a confiança sofre ruptura quando a plataforma nos surpreende com a suspensão ou desativação indevida da nossa conta. Mas veja, se o perfil é de minha titularidade, como diz um samba antigo, “quem manda aqui sou eu”, não? Não. As diretrizes da plataforma, quase nunca lidas em sua integralidade, nos remetem a obrigações e deveres que devemos cumprir a fim de permanecermos à plataforma

vinculados.

Mas, afinal, o que seria uma desativação indevida? Lúcio Barbosa, compositor da canção

Cidadão, descreve com dignifica maestria a situação ora posta, na medida em que o eu-lírico da composição nos revela os anseios e angústias daquele que, por um ato discriminatório de outrem, tem sua condição posta à prova:

Tá vendo aquele edifício, moço?

Ajudei a levantar

Foi um tempo de aflição

Era quatro condução

Duas pra ir, duas pra voltar

Hoje depois dele pronto

Olho pra cima e fico tonto

Mas me vem um cidadão

E me diz, desconfiado

Tu 'tá aí admirado

Ou 'tá querendo roubar?

Como sabido, a referida atitude constituiu ato discriminatório e é legalmente vedada diante da arbitrariedade do ato, que vai de encontro com a promoção da igualdade substancial enunciada constitucionalmente. A Constituição Federal do Brasil, nessa perspectiva, enuncia como norma fundamental a Dignidade da Pessoa Humana. Assim, como forma de funcionalizar o elemento constitucional em apreço, faz-se necessário a efetivação da Dignidade Humana enquanto instituto basilar do ordenamento jurídico nos diversos âmbitos em que estamos inseridos.

Nesse contexto, a desativação indevida de uma conta em determinada plataforma é toda aquela que não permite a ciência acerca do ato violador e não fornece ao usuário a possibilidade de defesa, como garantia legal do que denominamos personalidade humana, a qual, conforme vimos, confiou na legalidade dos atos perpetrados pela plataforma em que se cadastrou.

Embora seja legitimada a suspensão e/ou banimento por violação aos termos de uso, há preceitos dos quais a plataforma não pode esvair-se da responsabilidade, devendo, obrigatoriamente, além da comunicação do descumprimento de forma precisa, oportunizar a apresentação de defesa quanto à possível infração.

Importa frisar, nesse cenário, que a relevância da preservação e proteção jurídica da personalidade humana ultrapassa a questão da importância individual de todo e qualquer ser humano, pois serve justamente para a compreensão macro das dimensões sociais em que o indivíduo está inserido, eis que, para cada sujeito de direito existente, há outrem com quem convive em sociedade.

Nesse contexto, a Lei nº 12.965/14, denominada Marco Civil da Internet, apresenta como objeto o estabelecimento de princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil, de modo que, exercendo a plataforma atividade econômica no país, deve se submeter aos enunciados legais atinentes, enquadrando-se como prestadora de serviços de aplicação, nos termos do art. 5º, VII.

A análise ampla e integrativa do direito à existência da personalidade humana nos meios digitais, sob a perspectiva de extensão à própria promoção da dignidade da pessoa humana, nos permite a adoção de um cauteloso olhar acerca das medidas adotadas pelas plataformas que utilizam o ciberespaço. Ao fim e ao cabo, a confiança é a base que nos permite nos relacionar nos mais diversos âmbitos e nos leva a esperar a contraprestação devida da plataforma em nos cadastramos, mas é o conhecimento que nos permite mudar a realidade que nos é imposta, especialmente diante da suspensão ou desativação indevida



Por Gabriela da Costa Matos – Presidente da Comissão de Direito Digital e Proteção de Dados


da OAB, subseção, Jacobina/Bahia

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