Os dois primeiros esqueletos na área das obras foram descobertos em 2020. Ambos estavam calcados em fragmentos cerâmicos em meio a camadas de concha do sambaqui.
Um deles foi sepultado junto a um vaso de cerâmica possivelmente do tipo Mina (ainda são necessárias pesquisas para se ter certeza), nome dado a uma produção que data de cerca de 3 mil a 5 mil anos antes de Cristo e já foi encontrada em outros sambaquis de São Luís e do Norte do país, como no município de Quatipuru (PA), a cerca de 350 km (em linha reta) da capital maranhense.
Datações preliminares de sedimentos próximos aos esqueletos apontam para uma ampla faixa de antiguidade entre cerca de 9 mil e 1 mil anos atrás.
A faixa condiz com pesquisas do arqueólogo Arkley Bandeira, da UFMA, que mostram que São Luís começou a ser ocupada há mais de 7 mil anos, e que os povos associados à cerâmica Mina apareceram por volta de 5,8 mil anos antes de Cristo.
Coincidentemente, dois dos sambaquis estudados por Bandeira também foram descobertos "acidentalmente em obras de engenharia" e já estavam impactados pelas construções em andamento.
"Os sítios Vinhais Velho e Maiobinha I não mais existem. O que permaneceu para as futuras gerações foram a cultura material resgatada, a documentação produzida nas atividades de campo e a interpretação dos dados coletados", escreveu ele em sua tese de doutorado.
Nas escavações do empreendimento da MRV, foram encontrados mais 41 esqueletos ao longo deste ano.
Observações iniciais apontam para homens e mulheres adultos de baixa estatura: um deles tinha cerca de 1,51 metro de altura; outro, possivelmente uma mulher, 1,46 metro.
Pelo menos um deles, o esqueleto do indivíduo 19, foi enterrado com um enfeite. Segundo uma análise inicial, trata-se de um adorno feito de concha, encontrado na região pélvica. Não foi possível precisar o sexo biológico, mas a observação inicial aponta para um adulto de cerca de 1,47 metro.
“Do que pude analisar, aparecem pessoas de diferentes faixas etárias, bastante robustas e de estatura baixa. Pelo tipo de marca que os músculos deixaram nos ossos, eram pessoas acostumadas a muito esforço físico, muita caminhada, muita remada, eram fortes”, diz a arqueóloga Claudia Cunha, que trabalhou como consultora de bioarqueologia no local entre fevereiro e outubro deste ano.
A bioarqueologia estuda remanescentes biológicos humanos, como ossos e dentes. Em campo, bioarqueólogos também buscam garantir os direitos dos esqueletos encontrados -- "porque são pessoas, não coisas", lembra Cunha.
Na avaliação dela, a legislação nacional é hoje insuficiente para orientar o trabalho com remanescentes humanos -- e garantir a proteção deles.
Quarenta e três esqueletos e mais de 100 mil peças arqueológicas são descobertos durante construção de condomínio em São Luís
Estudos em curso podem apontar a 'idade' dos fragmentos. Descoberta feita pela equipe do arqueólogo Wellington Lage é mais um indício da extensa ocupação do território brasileiro muito antes de 1.500.
Por Isabel Seta, g1
06/01/2024 05h00 Atualizado há 2 horas
Infográfico mostra esqueletos encontrados durante obra da MRV em São Luís, no Maranhão — Foto: g1
Infográfico mostra esqueletos encontrados durante obra da MRV em São Luís, no Maranhão — Foto: g1
Quarenta e três esqueletos humanos foram encontrados nas escavações de uma obra no bairro Vicente Fialho, em São Luís, onde a construtora MRV está erguendo condomínios residenciais do programa federal de habitação Minha Casa Minha Vida.
Além das ossadas, o trabalho de pesquisa e escavação arqueológica, realizado pela empresa W Lage Arqueologia e coordenado pelo arqueólogo Wellington Lage, descobriu um número enorme de peças de valor histórico: são cerca de 100 mil fragmentos, entre cerâmicas, materiais líticos (ferramentas de pedra), carvão, ossos e conchas decoradas.
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Novos achados 'a cada dia'
Robustos, baixos e fortes
O sítio arqueológico e o andamento das obras
Para onde vão os esqueletos
Análises de laboratório ainda estão em andamento para descobrir com precisão quão antigos são esses materiais e os esqueletos, mas o número de sepultamentos e a quantidade de peças encontradas apontam para um sítio arqueológico que pode vir a ter um valor ímpar para o estudo do passado brasileiro.
"Além da importância implícita desses materiais, as datações [preliminares] realizadas oferecem novos panoramas inéditos para a arqueologia do Maranhão e, consequentemente, do Brasil", afirmou o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) ao g1. "Os achados arqueológicos contribuem, ainda, para a escrita de uma história indígena de longa duração."
Vários esqueletos foram localizados embaixo de um sambaqui (espécie de morro de conchas e sedimentos construído na beira de rios e no litoral por populações que habitaram o Brasil há milhares de anos) e podem pertencer, pelo que indicam análises preliminares, a homens e mulheres fortes e de baixa estatura que foram cuidadosamente enterrados (leia mais sobre eles abaixo).
Em uma das sepulturas, foi encontrado um vaso de cerâmica que possivelmente é do tipo Mina, um tipo de produção que data de cerca de 5 mil a 7 mil anos atrás e é encontrado em outras áreas do Norte do Brasil – a tradição ceramista dos povos amazônicos remonta a 8 mil anos.
Não é a primeira vez que sítios arqueológicos são descobertos durante obras de engenharia em São Luís, que, segundo pesquisas, é ocupada há mais de 7 mil anos. Um outro sambaqui, o Vinhais Velho, foi encontrado durante a construção da Via Expressa, uma rodovia, e guardava registros de povos pescadores e coletores de marisco que viveram na região há cerca de 3 mil anos.
A nova descoberta foi feita a poucos quilômetros dali e, após a retirada dos itens de interesse arqueológico, o terreno – localizado num bairro de classe média a pouco menos de 5 km da avenida litorânea – irá abrigar 4 condomínios que, pelo fato de São Luís ser uma ilha, foram batizados com nomes caribenhos (Aruba, Havana, San Andrés e San Martin).
Ao todo, serão 1.600 apartamentos que, segundo a MRV, devem contribuir para a diminuição do déficit habitacional de São Luís e gerar cerca de 2.100 empregos diretos e indiretos.
Novos achados 'a cada dia'
Terceiro esqueleto encontrado durante pesquisa arqueológica em área em que será construído um condomínio pela MRV, em São Luís. — Foto: Reprodução de W Lage Arqueologia
Terceiro esqueleto encontrado durante pesquisa arqueológica em área em que será construído um condomínio pela MRV, em São Luís. — Foto: Reprodução de W Lage Arqueologia
O trabalho de pesquisa e escavação arqueológica, realizado pela empresa W Lage Arqueologia, começou ainda em 2019 e segue em andamento.
Procurado, o arqueólogo coordenador do trabalho, Wellington Lage, disse que prefere não dar mais informações enquanto o material está em análise - e em descoberta. Um relatório parcial da W Lage de novembro de 2023 diz que "novos achados estão sendo evidenciados a cada dia".
Os resultados das análises - que indicarão, por exemplo, a datação dos esqueletos e dos fragmentos - devem levar meses para sair, dado o volume de material e o fato de que alguns exames estão sendo feitas fora do Brasil.
A análise mais aprofundada do conjunto de artefatos e esqueletos pode vir a revelar, ainda, mais informações sobre os grupos que habitaram São Luís e quais eram suas práticas funerárias.
A MRV, dona do empreendimento, diz que "vivenciar estas descobertas foi incrível ainda mais porque pudemos e poderemos contribuir para que mais pessoas tenham a oportunidade de estudar e conhecer esta riqueza arqueológica de valor inestimável".
A construtora afirma ter fornecido, desde o início, materiais e colaboradores para o trabalho arqueológico e que buscou atender todas as exigências legais. Por determinação do Iphan, a empresa está construindo um centro na Universidade Federal do Maranhão (UFMA) para guarda dos itens.
A legislação brasileira não impede a construção de empreendimentos imobiliários em locais de interesse arqueológico, desde que seguido o licenciamento ambiental, o que foi feito. Em casos de interesse arqueológico, o Iphan é incluído no processo.
A respeito dos sambaquis, a lei que trata dos monumentos arqueológicos e pré-históricos diz apenas que eles terão "precedência para o estudo" e que não pode haver aproveitamento econômico nem destruição das estruturas antes da devida pesquisa. Não há, na legislação, regulamentação específica para o trabalho com remanescentes humanos.
Robustos, baixos e fortes
Décimo quinto esqueleto encontrado em escavação. Pela análise inicial, se tratava de uma mulher de cerca de 1,46 metro de altura. — Foto: Reprodução de Ana Luzia Freitas/W Lage Arqueologia
Décimo quinto esqueleto encontrado em escavação. Pela análise inicial, se tratava de uma mulher de cerca de 1,46 metro de altura. — Foto: Reprodução de Ana Luzia Freitas/W Lage Arqueologia
Os dois primeiros esqueletos na área das obras foram descobertos em 2020. Ambos estavam calcados em fragmentos cerâmicos em meio a camadas de concha do sambaqui.
Um deles foi sepultado junto a um vaso de cerâmica possivelmente do tipo Mina (ainda são necessárias pesquisas para se ter certeza), nome dado a uma produção que data de cerca de 3 mil a 5 mil anos antes de Cristo e já foi encontrada em outros sambaquis de São Luís e do Norte do país, como no município de Quatipuru (PA), a cerca de 350 km (em linha reta) da capital maranhense.
Datações preliminares de sedimentos próximos aos esqueletos apontam para uma ampla faixa de antiguidade entre cerca de 9 mil e 1 mil anos atrás.
A faixa condiz com pesquisas do arqueólogo Arkley Bandeira, da UFMA, que mostram que São Luís começou a ser ocupada há mais de 7 mil anos, e que os povos associados à cerâmica Mina apareceram por volta de 5,8 mil anos antes de Cristo.
Coincidentemente, dois dos sambaquis estudados por Bandeira também foram descobertos "acidentalmente em obras de engenharia" e já estavam impactados pelas construções em andamento.
"Os sítios Vinhais Velho e Maiobinha I não mais existem. O que permaneceu para as futuras gerações foram a cultura material resgatada, a documentação produzida nas atividades de campo e a interpretação dos dados coletados", escreveu ele em sua tese de doutorado.
Nas escavações do empreendimento da MRV, foram encontrados mais 41 esqueletos ao longo deste ano.
Observações iniciais apontam para homens e mulheres adultos de baixa estatura: um deles tinha cerca de 1,51 metro de altura; outro, possivelmente uma mulher, 1,46 metro.
Pelo menos um deles, o esqueleto do indivíduo 19, foi enterrado com um enfeite. Segundo uma análise inicial, trata-se de um adorno feito de concha, encontrado na região pélvica. Não foi possível precisar o sexo biológico, mas a observação inicial aponta para um adulto de cerca de 1,47 metro.
“Do que pude analisar, aparecem pessoas de diferentes faixas etárias, bastante robustas e de estatura baixa. Pelo tipo de marca que os músculos deixaram nos ossos, eram pessoas acostumadas a muito esforço físico, muita caminhada, muita remada, eram fortes”, diz a arqueóloga Claudia Cunha, que trabalhou como consultora de bioarqueologia no local entre fevereiro e outubro deste ano.
A bioarqueologia estuda remanescentes biológicos humanos, como ossos e dentes. Em campo, bioarqueólogos também buscam garantir os direitos dos esqueletos encontrados -- "porque são pessoas, não coisas", lembra Cunha.
Na avaliação dela, a legislação nacional é hoje insuficiente para orientar o trabalho com remanescentes humanos -- e garantir a proteção deles.
Ainda são necessários mais estudos para saber detalhes sobre as pessoas que ali viveram e a cultura que tinham, como o tipo de trabalho que realizavam, do que se alimentavam, que doenças tiveram em vida, como eram seus ritos funerários, quais eram suas idades ao morrer, além de possíveis causas das mortes.
Também ainda não se sabe se o local era um cemitério sobre o qual foi, posteriormente, construído um sambaqui, ou se os corpos foram enterrados no sambaqui, segundo análise feita por Claudia Cunha e Ana Luiza Freitas, respectivamente professora e mestranda na Universidade Federal do Piauí, a pedido da W Lage.
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