A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou, por maioria, recurso do Ministério Público Federal (MPF) e afastou, no caso concreto, a necessidade de habitualidade para configuração da exploração sexual de crianças e adolescentes, crime previsto no art. 244-A do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A decisão foi publicada nessa segunda-feira (30), após conclusão do julgamento pelo Plenário Virtual. Para o MPF, sendo esporádica ou habitual, a conduta é suficiente para caracterizar a prática criminosa.
A decisão no Agravo em Recurso Extraordinário (RE) 1363134 reverte habeas corpus concedido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) a homem acusado de explorar sexualmente ao menos três jovens entre os anos de 2002 e 2008, no Paraná. Ao conceder a medida, o STJ considerou indispensável o requisito de habitualidade para caracterização do tipo penal de exploração sexual previsto no ECA (Lei 8.069/90). A decisão do Supremo invalida o entendimento da Corte Superior e restabelece condenação imposta pelo Tribunal de Justiça do Paraná. Por envolver pessoa menor de idade, o caso tramita em segredo de justiça.
Ao levar o caso ao Supremo Tribunal Federal, o MPF sustentou que, embora a questão aborde a legislação ordinária do ECA, a índole da discussão é constitucional, pois o que está em jogo é a efetiva proteção de mulheres e adolescentes à luz de dispositivos constitucionais e tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Segundo o recurso extraordinário, a interpretação jurídica que atenua a penalização de quem comete crimes contra a dignidade sexual de meninas, como no caso questionado, viola os princípios da Constituição que asseguram a proteção integral de crianças e adolescentes (art. 227) e o devido processo legal (art. 5º, inciso LIV).
O MPF alegou ainda que, além de serem menores de idade à época dos fatos, as vítimas são do sexo feminino, o que torna aplicável ao caso tanto as convenções e tratados internacionais de proteção às crianças e adolescentes, como também de proteção às mulheres. Cita, entre eles, a Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil em 1990; a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, conhecida como Convenção de Belém do Pará (1994); e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, chamada de Carta Internacional dos Direitos da Mulher (1979).
Inicialmente, o relator do caso no STF, ministro Roberto Barroso, negou seguimento ao recurso do MPF, decisão que foi questionada por meio de agravo regimental. O ministro Alexandre de Morais abriu divergência para defender a tese ministerial e, em voto-vista, reforçou o dever do Estado brasileiro de garantir proteção integral a crianças e adolescentes, conforme compromissos assumidos em diversos tratados internacionais.
A Primeira Turma do STF acolheu a argumentação do MPF, mas entendeu não haver requisitos para o reconhecimento da repercussão geral do tema, restringindo a decisão do recurso extraordinário ao caso concreto.
Atuação coordenada – Mesmo não sendo vinculante, conforme solicitado pelo MPF no recurso, a decisão do Supremo é considerada um precedente importante pelos membros da instituição, ao criar jurisprudência favorável à tese defendida. Para a subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen, autora do RE, o posicionamento do STF é um avanço, pois reconhece que não há necessidade de habitualidade da conduta para a caracterização do crime. “A exploração sexual infantil não precisa de habitualidade. O ato já é a exploração”, reforça.
A subprocuradora-geral ressalta que a decisão é resultado da articulação interna, entre as instâncias do MPF que atuam nos tribunais superiores, e também com o Ministério Público do Paraná, que atuaram conjuntamente pela condenação do réu. “A decisão é paradigmática e será muito relevante para todo o MP brasileiro que trata de violações sexuais e à integridade de crianças e adolescentes", salientou.
Em dezembro de 2021, após esgotar todos os meios cabíveis para derrubar o habeas corpus concedido pelo STJ no âmbito da própria Corte Superior, o MPF apresentou recurso extraordinário ao STF. Em fevereiro do ano seguinte, em parecer à Suprema Corte, o então procurador-geral da República, Augusto Aras, solicitou que a repercussão geral do tema fosse reconhecida.
Em 2023, foram três as manifestações do Ministério Público Federal ao STF, visando ao convencimento dos ministros. Em abril, o órgão pediu prioridade no julgamento do caso. Em agosto, enviou memorial reiterando os pedidos apresentados no RE, para que fosse conferida interpretação constitucionalmente adequada à penalização de quem comete crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes.
Em outubro, em novo memorial enviado ao STF pela procuradora-geral da República, Elizeta Ramos, o MPF reiterou dados do Ministério dos Direitos Humanos que apontam para o aumento do número de denúncias de violações de direitos de crianças e adolescentes, totalizando 9,5 mil denúncias e 17,5 mil violações envolvendo violências sexuais, físicas – abuso, estupro e exploração sexual – e psíquicas.
Para a procuradora-geral, o caso demonstra a importância da atuação articulada entre os membros do MP dos Estados, subprocuradores-gerais e a própria PGR. “O alinhamento na defesa da infância é prova de como a convergência de esforços é sempre o melhor caminho para a defesa dos mais vulneráveis, obrigação precípua do MP brasileiro”, frisa Elizeta Ramos.
ARE 1363134
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Foto: Leobark Rodrigues/Comunicação/MPF
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