E-mails apontam reviravolta em investigações sobre acidente da Chape


Avião que levava a Chapecoense à Colômbia caiu

Um ano se passou da queda do avião da Chapecoense, acidente que matou 71 pessoas sem que os verdadeiros donos da empresa LaMia fossem chamados para depor nas duas principais investigações sobre o caso: na Colômbia e na Bolívia.

E-mails obtidos com exclusividade pelo ESPN.com.br revelam que o empresário hispano-venezuelano Ricardo Albacete e sua filha, Loredana, eram os responsáveis por controlar toda a operação da companhia aérea na Bolívia – o que eles sempre negaram.




 Até agora, eles não prestaram depoimentos em qualquer uma das investigações levadas a cabo em Bolívia e Colômbia. A Justiça boliviana, porém, aumentou na última segunda-feira o prazo para apuração do acidente em seis meses.

A reportagem teve acesso a mensagens trocadas entre Ricardo Albacete, Miguel Quiróga, piloto do avião que caiu na Colômbia, e Marco Antonio Rocha Venegas (também piloto, atualmente foragido). Ambos fazem parte da ficha de constituição da empresa em território boliviano, mas não comandavam de fato a LaMia no país.

No dia 26 de setembro de 2016, por exemplo, Miguel Quiróga enviou uma mensagem para Ricardo Albacete - com cópia para Loredana e Marco Antonio - na qual cobra o repasse de dinheiro para o pagamento dos funcionários da companhia.

“Senhor Ricardo, boa tarde. Te escrevo para saber se vai poder nos depositar os salários de Marco e de minha pessoa. Já que estamos em uma situação crítica economicamente”, escreveu o piloto.

“Se entra o dinheiro do Sol de América, o General deve proceder em consequência”, respondeu o empresário. O “General”, no caso, é Gustavo Vargas Gamboa, então diretor-geral da LaMia e General aposentado da Força Aérea boliviana.

Ele foi preso dias após a tragédia durante as investigações preliminares na Bolívia. Gustavo Vargas é pai de Gustavo Villegas, diretor do Registro Aeronáutico Nacional da Direção Geral da Aeronáutica Civil (DGAC) e detido pela acusação de ter facilitado a licença para que a LaMia pudesse operar no país.

Assim como a Chapecoense, o paraguaio Sol de América disputava a Copa Sul-Americana em 2016 e fez viagens para Bolívia, Peru e Colômbia (foi eliminado pelo finalista Atlético Nacional).

Nos e-mails, é possível notar o nível de cobrança do dono da LaMia com Miguel e Marco Antonio pelos voos fretados fechados durante a competição.

Em 15 de novembro do ano passado, Albacete diz: “Estimados Marco e Miguel, me estranha que vocês nem sequer informem para onde voam, com quem voam, a que custo, etc, etc. Vemos o avião voando de Buenos Aires a Assunção, logo volta a Buenos Aires, logo Assunção, logo VVI, logo a Santa Cruz aeroporto e agora voando ao Norte. Agradecemos, nos informem”.

Nove dias depois, o empresário subiu o tom, não apenas com Quiróga e Rocha Venegas, mas também com Miriam Flores, administradora, e Gustavo Gamboa.

“Estimados Marco, Miguel, meu general e licenciada Miriam: sigo esperando a prestação de contas do dinheiro recebido em efetivo nos últimos voos, desde o Medellín, o de Bolívia, o de Argentina, o de Tarija, o de Rurreravava e todos os que você sabem. Isso não pode seguir assim. Usam e abusam dos aviões. Não pagam nem um centavo. Não reconhecem nossos aportes e tomam dinheiro sem prestar contas”.

“Eu estou às portas de uma operação, mas juro a vocês que se não receber informação solicitada antes deste sábado, pego um avião, viajo à Bolívia e suspendo minha operação”, ameaçou Ricardo Albacete.

“Não podemos seguir desta maneira. Exijo de vocês contas. Licenciada, você tem a obrigação de enviá-las; General, você é o apoderado. Marcos e Micky, vocês têm a responsabilidade e a obrigação de facilitar essa informação. Se não fazem, pois que fiquem para nossa história quem falhou. Ricardo Albacete”, decretou.

Na tarde de 28 de novembro de 2016, véspera do acidente, Miguel Quiróga confirma a Ricardo e Loredana Albacete, além do sócio Marco Antonio, que fechou com a Chapecoense para levar a delegação até Medellín, onde disputaria a final da Copa Sul-Americana.

“Senhor Ricardo, bom dia, lhe escrevo para informar que fechamos um voo com a Chapecoense. Pela soma de US$ 130 mil. Brasil deu autorização tarde, e o que fiz foi tomar a decisão de contratar Boa até Santa Cruz nos custando (borrão) algo de dólares. Estou decolando de CBBA a Santa Cruz neste momento. E dali até Medellín. Mil desculpas por não informá-lo. Não voltará a acontecer”, escreveu o piloto.

“P.S.: chegando a Medellín se Deus quiser vamos fechar com Nacional para a volta”, encerrou Miguel Quiróga.

Ricardo Albacete respondeu a mensagem na manhã de terça-feira, 29, horas depois da tragédia: “Deus não quis, Miguel! Ricardo”.

A informação de que a família Albacete é a real controladora das operações da LaMia na Bolívia veio a público com o jornal local El Deber em ampla matéria publicada no último domingo. A perícia judicial realizada pela Instituto de Investigações Técnico-Científicas da Universidade Policial (Iicup) da Força Especial de Luta Contra o Crime (Felcc) encontrou conversas de Miriam Flores com Loredana Albacete.

O ESPN.com.br conversou com duas pessoas que também confirmaram os verdadeiros donos da empresa aérea: Ximena Suárez, comissária de bordo sobrevivente do desastre, e Daniela Pinto, viúva do piloto Miguel Quiróga.

“Foi a pessoa que conheci depois... Quem me contratou foi Miguel, Miguel Quiróga. Um mês depois, ele (Ricardo Albacete) se apresentou ante de nós dizendo que ele era o dono da companhia”, revelou Ximena.

Daniela Pinto não só confirmou tal fato como explicou que Miguel trabalhou para o empresário hispano-venezuelano antes de fundar a companhia aérea.

"Esses detalhes de quanta parte tinha meu marido, não sei. Ricardo e Loredana Albacete, nunca os vi na minha vida, só conheço por foto. Das poucas vezes que meu marido vinha, ele tinha comunicação com Loredana, era comunicação direta; às vezes com Ricardo, porque Miguel trabalhou para ele em Venezuela e Aruba, era seu empregado. Quando vieram à Bolívia, eu não sei o que aconteceu, não sei mais detalhes, mas sei que meu marido falava com Loredana", disse.

A reportagem conversou de forma exclusiva com Loredana Albacete, que vive em Miami (EUA). Quando informada de que o Ministério Público Federal (MPF) em Santa Catarina indicava que ela e seu pai eram os verdadeiros donos da LaMia, ela negou.

"Não, da LaMia, não. Dos aviões, o que é diferente. Uma coisa é ser dono do avião, outra de uma empresa. Nós emprestamos para LaMia, isso é documento de domínio público", defendeu-se Loredana. "Não sei o que fala a investigação do Brasil, não tenho nem ideia. Me surpreenderia, porque já tive acesso a documentos que há no governo e eles são claros. Eu não posso dizer nada de diferente do que está nos documentos".

Quando a reportagem tentou novamente fazer uma pergunta sobre LaMia, Loredana disse: "Não posso responder e não poderia nem estar conversando com você, com jornalista. O que está nos documentos é o correto, não sei o que dizem as investigações. Na Bolívia está toda a história. Isso é uma companhia aérea, não uma casa de bolos: as pessoas que fazem parte da companhia têm que ser nomeadas formalmente. Não pode haver nada que não esteja nos documentos".

Em rápido contato, Ricardo Albacete também desmentiu ser proprietário da LaMia Bolívia e disse controlar apenas a companhia na Venezuela. Além disso, à CNN, o empresário afirmou que ajudava a operação da empresa aérea apenas para receber pagamentos feitos no exterior, pois Miguel e Marco Antonio não possuíam contas fora da Bolívia.

Viúva de Miguel Quiróga, Daniela Pinto rebateu Albacete e garantiu que o piloto tinha, sim, duas contas no exterior, algo que era de conhecimento da família que controla a LaMia. "Os Albacete sabem que meu marido tinha conta nos EUA, porque em várias oportunidades fizeram depósitos, pois meu marido pagava com seu cartão algumas vezes as operações de gasolina e essas coisas", explicou.

"As operações sempre eram feitas assim: pagavam diretamente aos Albacete, e eles não pagavam nem salários aos empregados", garantiu Daniela Pinto.

Caso seja comprovado que os Albacete eram de fato os donos da LaMia na Bolívia, as promotorias podem cobrar por parte da família o pagamento de indenização às vítimas do acidente com o voo 2933 nas cercanias de Medellín.

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