Pesquisa desenvolvida no Laboratório de Investigação Molecular em Obesidade (LabIMO), da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp (Campus de Limeira, SP), sugere que a exposição crônica ao composto 1,2-NQ, derivado da combustão do diesel, pode afetar a glicemia de jejum e levar à intolerância à glicose, que seria um quadro semelhante ao pré-diabetes nos humanos. Conduzido pelo doutorando Clilton Kraüss de Oliveira Ferreira e orientado pela professora Patricia de Oliveira Prada, o estudo teve como objetivo investigar em animais os efeitos da exposição crônica a poluente atmosférico proveniente da queima do diesel - presente em material particulado disseminado na atmosfera das cidades com tráfego de veículos que usam esse combustível - sobre o equilíbrio energético e glicêmico e na indução da inflamação no tecido adiposo.
Trata-se da substância 1,2-naftoquinona (1,2-NQ), resultante da combustão do naftaleno, um dos componentes do diesel, que em geral se associa ao material particulado em suspensão no ar. O composto em questão foi selecionado porque sua concentração na poluição atmosférica vem crescendo em decorrência do aumento da utilização do diesel em veículos automotivos.
Segundo a professora Patricia de Oliveira Prada, responsável pelo laboratório, o trabalho partiu da hipótese de que a presença desse poluente agregado em material particulado de até 2,5 micrometros de diâmetro, que compõe a poluição atmosférica, pode promover inflamação no sistema nervoso central e periferia, resistência à insulina, hiperglicemia e aumento de gordura visceral. Trabalhos já publicados evidenciam uma relação de causa e efeito entre poluição atmosférica e diabetes mellitus. Contudo, não se sabe o efeito isolado de cada poluente presente nesse material particulado e ainda não está claro se a exposição crônica à substância 1,2-NQ poderá atuar como agente lesivo, desencadeando reações inflamatórias sistêmicas e promovendo alterações na glicemia de jejum, na tolerância à glicose e no perfil inflamatório de células do sistema imunológico, os macrófagos.
Em vista disso, constituiu foco da pesquisa investigar os efeitos da exposição crônica ao poluente químico atmosférico 1,2-NQ sobre o balanço energético e o perfil inflamatório do tecido adiposo em camundongos selvagens, adultos. Esses animais apresentaram aumento da glicemia de jejum e intolerância à glicose no teste utilizado (GTT), resultados que podem estar relacionados à também observada inflamação de tecidos periféricos.
Em vista dessa possibilidade, explica Clilton, “nossa hipótese foi a de que dois receptores inflamatórios clássicos, o TNFR1 e o TLR4, poderiam estar participando do processo. Para comprovar esta hipótese, utilizamos mais duas linhagens de animais knockouts, geneticamente modificados, que não possuíam os referidos receptores para que pudesse ser verificado se eles, presentes naturalmente no organismo, poderiam ser os deflagradores da inflamação quando expostos ao poluente”. Neste caso, esperava-se que os camundongos geneticamente modificados, que não expressam TLR4 e TNFR1, não apresentassem os efeitos da exposição ao poluente verificado nos camundongos selvagens. E isso efetivamente ocorreu, corroborando a hipótese de que a inflamação é responsável pelos efeitos adversos nestes animais.
Experimentos
Para a investigação inicial foram utilizados camundongos selvagens machos, com oito semanas de vida, que receberam dieta padrão. Eles foram então separados em dois grupos. Em um deles os animais foram expostos ao poluente 1,2-NQ, por nebulização, em concentração igual à encontrada no ambiente, por 17 semanas, durante 15 minutos em cinco dias da semana e sempre na mesma hora. Já o grupo controle, submetido ao mesmo processo, recebeu apenas o veículo utilizado na nebulização como solvente do contaminante.
Nos animais que inalaram 1,2-NQ observou-se aumento da glicemia de jejum e da intolerância à glicose. Ao final, constatou-se também inflamação do tecido adiposo, mas diferentemente do que os pesquisadores esperavam, não havia ocorrido alterações de peso corpóreo e variação de gordura nos animais expostos ao poluente. As alterações observadas foram associadas, como mencionado na literatura, ao aumento da inflamação no tecido adiposo epididimal devido ao aumento de macrófagos pró-inflamatórios M1 e redução dos macrófagos regenerativos M2, que são células que constituem o sistema imunológico.
Na sequência, os camundongos knockouts foram submetidos aos mesmos procedimentos para investigar, separadamente, o papel do receptor 1 do fator de necrose tumoral (TNFR1KO) e do receptor tipo toll 4 (TLR4KO) na inflamação decorrente da exposição ao poluente. Uma das associações que se estabelece entre poluição e balanço energético refere-se ao aumento da inflamação nos tecidos por meio da ativação dos TLR4 da imunidade inata ou ainda pelos efeitos de citocinas pró-inflamatórias como o TNF alfa. Verificou-se então, que os animais, nos quais os receptores TNFR1 ou TLR4 foram supressos, revelaram-se protegidos dos efeitos provocados pela exposição crônica à substância 1,2-NQ.
Para a docente, estas constatações sugerem que a exposição crônica ao composto 1,2-NQ, derivada da combustão do diesel, pode afetar a glicemia de jejum e levar à intolerância à glicose que seria um quadro semelhante ao pré-diabetes nos humanos. Segundo ela, essas alterações parecem associadas ao aumento da inflamação induzida pelo contaminante, pois a retirada de receptores ligados à inflamação, como o TLR4 e TNFR1, protegeu os animais dessas ocorrências.
A modelagem e a metodologia utilizadas para a exposição ao 1,2-NQ já haviam sido validadas para o estudo do desenvolvimento de doenças pulmonares pelo grupo liderado pela professora Soraia Katia Pereira Costa, do Departamento de Farmacologia da USP, com a qual a professora Patricia mantem colaboração em trabalhos que constituem sua linha de pesquisa. Ela explica a diferença: “Aqui na Unicamp, o nosso foco ao reproduzir à exposição ao 1,2-NQ foi determinar o possível efeito do poluente no desenvolvimento de diabetes mellitus tipo 2 e de obesidade”. A grande maioria das análises exigidas pelo estudo foram realizadas no próprio LabIMO e, no caso, o financiamento do projeto foi da Fapesp.
Fonte: Jornal da Unicamp
Foto: Arquivo Agência Brasil
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