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Fora do Médicos pelo Brasil, cubano enfrenta desemprego no sertão da Bahia

 


De volta a Cuba, depois de uma missão de quatro anos na Venezuela, o médico Edermi Cabrera viu no acordo assinado entre o governo brasileiro e a Opas (Organização Pan-Americana de Saúde) em 2013 uma oportunidade. Integrar o grupo de 11 mil médicos cubanos que viriam ao Brasil pelos cinco anos seguintes, dentro do programa Mais Médicos, significava, nas palavras dele, ter um salário melhor. Edermi veio, fez família, casou e ficou na cidade histórica de Canudos, no sertão da Bahia.

De lá, foi vencendo as próprias batalhas, enquanto assimilava as diferenças e semelhanças entre a cidade onde nasceu, Trinidad, e o município baiano cenário da guerra ocorrida no século 19. "Dobrou" o idioma, aprendeu a se comunicar como os locais, fez fama de atencioso entre os pacientes. Mas, desde o primeiro momento, deparou-se com os empecilhos da conturbada relação entre o governo brasileiro e a medicina cubana, que ganhou mais um capítulo desde maio deste ano.

Edermi é um dos cerca de 1.800 médicos cubanos reincorporados ao SUS (Sistema Único de Saúde), na época da criação do programa Médicos pelo Brasil, em 2019, que substituiu o Mais Médicos. Naquele ano, o projeto de lei de conversão 25/2019 definiu que os profissionais atuantes e remanescentes no território nacional após o rompimento do acordo com a Opas — na condição de naturalizado, residente ou com pedido de refúgio — poderiam voltar a exercer a medicina na saúde pública.


Assim, o médico passou a atuar em uma UBS (Unidade Básica de Saúde) na cidade de Jeremoabo, na Bahia, vizinha a Canudos. Por lá, vivem 41 mil pessoas, dentre elas habitantes de 22 comunidades quilombolas, sendo 11 reconhecidas pelo governo brasileiro. Desde maio, contudo, Edermi foi desligado. A liberação para atuar como médico, dentro do programa, era provisória (dois anos, sem possibilidade de extensão). Agora, ele faz parte da lista de desempregados no país.

A Aspromed (Associação Nacional dos Profissionais Médicos Formados em Instituições de Educação Superior Estrangeiras) estima que 3.000 médicos cubanos permaneceram no Brasil após o fim do convênio. Entre eles, 1.800 voltaram a trabalhar no SUS por meio de um edital, a partir de 2020. Outros conseguiram o direito na Justiça. Em maio, começaram os encerramentos de contratos, que devem sair da saúde pública até setembro. É mais um hiato profissional na vida de quem pensava que, no Brasil, tudo seria mais tranquilo.

Ficar no Brasil ou voltar para Cuba

A escolha de estar no Brasil não tem um fundo apenas afetivo, é também uma decisão de carreira. Ser médico era a primeira opção de Edermi, mas ele não alcançou a nota mínima para entrar no curso superior de primeira, segundo as regras cubanas, e ao terminar o ensino básico ingressou no serviço militar obrigatório. Passou dois anos e depois voltou a estudar para entrar na faculdade. Foi graduado em Havana, durante uma celebração de aniversário de Fidel Castro.


Logo depois, foi para a zona rural do interior do país, onde atuou por sete anos antes de ser convocado para a missão na Venezuela. Não esperava sair mais, embora já estivesse acostumado a trabalhar longe de casa, mas foi fisgado pela missão brasileira. Aqui, encontrou um ambiente acolhedor. "O pessoal era muito amigável, logo eu fiz amizade. E ainda tinha outros dois médicos cubanos, nas cidades de Euclides da Cunha e Uauá", lembra.


Outras vantagens elencadas por Edermi eram os horários profissionais. Em Cuba, trabalhava de segunda a sábado, 8 horas por dia. No Brasil, pelo Mais Médicos, tinha direito a um dia de estudos na semana laboral, que findava na sexta-feira. Edermi só não contava com os hiatos profissionais, o que o impedem até hoje de exercer a profissão pela qual tanto lutou. Depois de 2018, com o fim do convênio, ele ficou desempregado. Foi trabalhar em uma farmácia, onde permaneceu oito meses, até a reincorporação dos cubanos no SUS.

Agora, em 2022, a família passou todo o primeiro semestre apreensiva, sem saber como o governo brasileiro iria agir em relação ao convênio. Desde maio, ele segue sem emprego e estudando para tentar revalidar o diploma.


Humberto Jorge, advogado da Aspromed, diz que a esperança dos associados está em dois caminhos. Um deles é uma ação civil pública, em tramitação no TRF1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) desde abril. "Lá em 2019, quando houve reincorporação, já sentíamos uma carga de discriminação com esses profissionais. Aceitamos a renovação de dois anos, pois era o possível", diz.


Segundo ele, desde o fim de 2021, o Ministério da Saúde já publicou várias portarias prorrogando o prazo de contratação de todos os outros profissionais do programa, menos aqueles do ciclo onde estão os cubanos. "Nesse intervalo, alguns conseguiram revalidar o diploma, mas é a minoria. São profissionais que têm enorme dificuldade, inclusive, de conseguir empregos em outras áreas. O governo precisa entender que em 2019 o mundo era outro, o país também", argumenta.

O outro caminho de expectativas é o Projeto de Lei 14/40, em tramitação no Senado, que altera o texto aprovado em 2019, permitindo a extensão do contrato por mais dois anos e excluindo o termo "improrrogável". O advogado da Aspromed, entretanto, acredita que o cenário eleitoral pode comprometer a aprovação do projeto neste ano. Edermi, enquanto espera, vai à Cuba, visitar os filhos — um deles, inclusive, entrará na faculdade de medicina.


"Eu não entendo, Cuba comparado ao Brasil é um país pobre, mas lá temos mais facilidade para coisas de saúde. A atenção médica é melhor. Todo município tem aparelho de ultrassom. Aqui, a cada quatro anos, se você trabalha na prefeitura, não sabe para onde vai", diz.


Apesar da incerteza, o médico afirma estar tranquilo e, diferentemente do advogado, vê o cenário eleitoral com otimismo. "Todo sistema de governo tem coisas boas e ruins. Venho de uma família pobre. Sou o primeiro universitário da minha família. E, pelo que vi, sou mais da parte de Lula que da de Bolsonaro", conclui.


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