MPF recorre de decisão que negou liminar para impedir destruição de Mata Atlântica por empresa de Mineração

 


O Ministério Público Federal (MPF) recorreu de decisão da 16ª Vara Federal de Belo Horizonte (MG), que indeferiu pedido de liminar formulado em ação civil pública, ajuizada contra a Taquaril Mineração e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), para impedir a supressão vegetal de mais de 101,24 hectares de Mata Atlântica, na região da Serra do Curral.

Em sua decisão, o juízo federal indeferiu a liminar, permitindo o desmatamento de ampla área de vegetação nativa, sem autorização do Ibama, sob o argumento de que o empreendimento “está licenciado e regular” e “a necessidade de supressão de vegetação foi analisada pelo órgão competente”, que, no caso, seria a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad-MG).

Acontece que esta é exatamente a questão central em que se baseia a ação: de acordo com o MPF, o licenciamento ambiental concedido pelo órgão estatal não dispensa a anuência prévia do Ibama. A Mata Atlântica é um patrimônio nacional, assim definido pela Constituição Federal, e é tão valiosa ambientalmente, que conta com regramentos próprios, a Lei 11.428/2008 (chamada Lei da Mata Atlântica) e o Decreto 6.660/2008, os quais impõem a obrigatoriedade de anuência prévia do órgão federal em empreendimentos de maior impacto ambiental a serem instalados nas áreas de ocorrência desse bioma.


Outra conclusão extraída do artigo 19 do Decreto 6.660/08 é a de que a anuência do Ibama será necessária independentemente da autorização do órgão ambiental competente. Ou seja, a exigência legal, em nenhum momento, direciona-se ao órgão licenciador, e sim ao empreendedor, que não pode suprimir vegetação de Mata Atlântica sem essa autorização.

Porém, no caso específico do Complexo Minerário da Tamisa, a Semad, órgão licenciador estadual, dispensou o pedido de anuência prévia do Ibama com base em um parecer da Procuradoria Federal especializada, que afirmou que tal procedimento seria dispensável.

“Além de não possuir nenhum efeito vinculante, tal parecer seguiu premissas equivocadas e fundamentou-se em analogias contrárias ao que determina a lei. Ao negar a liminar, a decisão não enfrentou nenhuma das várias inconsistências que apontamos nesse parecer”, afirma o procurador da República Carlos Bruno Ferreira da Silva, autor da ação.

O agravo aponta que a “interpretação contida no Parecer nº 46/2021 exclui a atividade de mineração da exigência geral de anuência prévia, embora esta seja radicalmente mais gravosa ao meio ambiente. Dessa forma, instaurou-se cenário em que é exigida a anuência prévia do IBAMA para atividades como manejo agroflorestal sustentável em pequena propriedade, mas não se exige a dupla checagem para a lavra mineral, interferência que altera completamente a estrutura geológica, e aniquila toda a vegetação superficiária”.

O MPF lembra novamente que a situação é tão grave, que a própria Superintendência do Ibama em Minas Gerais votou contrariamente à concessão da licença ao empreendimento durante a reunião do Copam do dia 30 de abril deste ano e em audiência pública realizada pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Também os técnicos do Ibama, de forma fundamentada cientificamente, continuam defendendo a necessidade de anuência prévia, ao contrário do que apregoa o corpo jurídico.

Impossibilidade - O MPF sustenta que há um ponto incontroverso na questão: a impossibilidade de supressão de vegetação primária por atividade de mineração. Essa proibição foi feita pelo artigo 32 da Lei 11.428/06, o que foi reconhecido inclusive pelo questionado parecer da Procuradoria Federal especializada.

No caso do Complexo Minerário da Serra do Taquaril, já ficou demonstrado que não é possível atestar a ausência de vegetação primária na região a ser suprimida, como alertam o corpo técnico do Ibama-MG e a comunidade acadêmica especializada.

“A altíssima incerteza quanto à classificação da vegetação cria a possibilidade de supressão de vegetação primária, e atrai a incidência do princípio da precaução, de modo a impedir a supressão até que seja realizada a caracterização segura do ecossistema que será suprimido. Ocorre que o ponto, por si só atrativo do provimento liminar, sequer foi mencionado na decisão recorrida”, registra o agravo, expondo “a Serra do Curral à possibilidade de supressão de vegetação nativa milenar, em estágio primário de sucessão, em bioma especialmente protegido, e sem a análise do Ibama”.

O MPF pede que o Tribunal Regional Federal da 1ª Região reforme a decisão judicial de primeira instância, para determinar que a Taquaril Mineração se abstenha de promover quaisquer atos de supressão vegetal na região do Complexo Minerário Serra do Taquaril, localizado na Serra do Curral, enquanto não obtiver anuência prévia do Ibama para a supressão vegetal.

Pede-se também que, após o requerimento, o Ibama processe o pedido, realize as diligências e estudos locacionais destinados à respectiva análise e apenas conceda licença prévia para o empreendimento do CMST caso verifique a ausência de vegetação nativa primária do Bioma Mata Atlântica. Mas, caso não seja possível identificar claramente o estágio sucessional da vegetação presente na ADA do empreendimento, adote, com base nos princípios da precaução e in dubio pro natura a classificação mais restritiva.

Saiba Mais - Na ação, ajuizada em maio deste ano, o MPF relata que o projeto da Tamisa, com lavra a céu aberto de minério de ferro, prevê extrair e beneficiar, num prazo inicial de 13 anos, cerca de 31 milhões de toneladas de minério. Para isso, efetuará supressão vegetal de 101,24 hectares, que correspondem a mais de 1.012 m², o que equivale a 100 campos de futebol, aproximadamente.

O projeto é classificado como de Grande Porte e Grande Potencial Poluidor, resultando em empreendimento de Classe 06, a maior da matriz de classificação. O critério locacional do empreendimento também foi fixado como de grau máximo, considerando que “haverá supressão de vegetação em Área Prioritária para a Conservação da Biodiversidade Especial”.

Ou seja, “causará impactos ambientais múltiplos e expressivos em bioma especialmente protegido, afetando negativamente a fauna e a flora locais, com repercussão em corpos d’água, qualidade do ar, estabilidade geológica e composição da paisagem”, afirma o MPF, lembrando que o próprio Estudo de Impacto Ambiental da mineradora previu alterações na qualidade do ar; nos níveis de ruído e de vibração; na dinâmica erosiva; no relevo e nas propriedades físicas e químicas do solo; nas taxas de recarga dos aquíferos; na dinâmica hídrica subterrânea; na disponibilidade hídrica; na qualidade das águas e na morfologia fluvial.

Haverá, segundo a própria empresa, perda de solo, assoreamento de cursos d’água, em especial os córregos Cubango, Triângulo e Fazenda, e supressão de nascentes. Inclusive, a supressão de duas nascentes e a intervenção na área de proteção de uma terceira levou o empreendedor a classificar esse impacto como “negativo, permanente, irreversível, de importância e magnitude médias, resultando em alta significância”.

O projeto também prevê afetação a estruturas de captação de água atualmente existentes no local, entre as quais se destaca a adutora do sistema de abastecimento do Rio das Velhas, que abastece parte da população dos municípios de Belo Horizonte e Sabará.

Os impactos sobre a fauna e flora também são consideráveis: redução do número de indivíduos das populações vegetais nativas; fragmentação florestal e aumento do efeito de borda; perda de biomassa; alteração da conectividade da paisagem; redução do número de animais da fauna e alteração das comunidades de dípteros vetores de endemias e das comunidades aquáticas.

Danos irreversíveis – O bioma Mata Atlântica, que a Tamisa pretende desmatar para produzir minério, é constituída por três tipos vegetacionais nativos: Floresta Estacional Semidecidual, Savana e Campos Rupestres. Nesse último, especialmente, dotado de características ambientais únicas no planeta, foram encontradas espécies vegetais e animais endêmicas de Minas Gerais, ou seja, que não ocorrem em outros estados.

Estima-se que a Mata Atlântica abrigue cerca de 20 mil espécies vegetais (35% das espécies existentes no Brasil, aproximadamente), incluindo inúmeras espécies ameaçadas de extinção. Essa riqueza é maior que a de alguns continentes inteiros: a América do Norte conta com 17 mil espécies vegetais; a Europa, com 12,5 mil.

Acontece que o bioma já foi dizimado em quase 90% da sua área original. Em Minas Gerais, restam apenas 11,6% de Mata Atlântica e é sobre parte importante deste remanescente que se pretende instalar o complexo minerário da ré.

“É fundamental entender-se a complexidade desse bioma e de seus componentes, para se perceber porque a legislação conferiu aos órgãos ambientais federais a responsabilidade de analisar e se pronunciar sobre quaisquer atividades que impliquem em sua supressão”, reitera Carlos Bruno Ferreira.

De acordo com o procurador da República, “vários estudos apontam, por exemplo, que o desaparecimento de uma planta ou animal pode comprometer as condições de vida de outras classes de indivíduos. Além disso, a integridade da Mata Atlântica é fundamental para a manutenção do que se chama de regime hídrico permanente. Seus vários componentes (folhas, galhos, troncos, raízes e solo) agem como uma poderosa esponja, que retém a água da chuva e a libera aos poucos, alimentando o lençol freático. Com o desmatamento, surgem problemas como a escassez, já enfrentada em muitas das cidades situadas no domínio da Mata Atlântica. No caso desse empreendimento, lembremos que ele está localizado dentro da APA Sul da Região Metropolitana de Belo Horizonte, em espaço que integra o chamado Mosaico de Unidades de Conservação Federal da Serra do Espinhaço, numa rede de áreas protegidas, próximas umas às outras, com alto grau de associação entre os ecossistemas”.

 Ação Civil Pública 1025469-3.2022.4.01.3800

Clique aqui para ler o Agravo.

  

Assessoria de Comunicação Social

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