Entidades como a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e a Defensoria Pública se indispuseram nos últimos meses com Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), por recusas do ministro em atender a pedidos que consideram fundamentais para a ampla defesa de seus representados.
Esse tipo de situação tem relação principalmente com o extenso uso do plenário virtual em vez de manifestações presenciais dos advogados em julgamentos e levou a Ordem a divulgar duas manifestações públicas, assinadas pelo presidente da entidade, Beto Simonetti.
Somado a isso, advogados e defensores vêm se queixando de negativas do ministro para pedidos das classes.
Uma das reclamações recentes é a de advogados de alvos da ação da Polícia Federal que investiga suspeita de uso ilegal da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), sob o governo Jair Bolsonaro (PL), para monitorar celulares de jornalistas e de adversários do ex-presidente.
A operação está sob a relatoria de Moraes, e os advogados dizem que não tiveram sequer acesso à decisão do caso ou ao pedido de diligências feito pela PF.
Apesar dos atritos, a OAB não mostra pretensão de entrar em conflito direto com o ministro e vem tentando no último ano mostrar que simpatiza com as ações do STF contra os acusados de participarem de atos antidemocráticos desde a gestão de Bolsonaro.
Desde essa época, porém, vem esperando reciprocidade do ministro com os pleitos dos advogados.
Procurado, o ministro disse por meio da assessoria do STF que “a ampla defesa é plenamente garantida no plenário virtual, não havendo prejuízo com as sustentações orais lá realizadas”.
Uma das reações recentes ao ministro aconteceu em um julgamento da Primeira Turma do Supremo, presidida por Moraes, no último dia 7, e mobilizou tanto a OAB quanto a Defensoria.
A turma julgaria um caso que estava em plenário virtual e foi levado para o julgamento presencial a pedido do ministro Cristiano Zanin. Na ação, a Defensoria pedia que um réu por contrabando de cigarro firmasse acordo para não responder a uma ação penal.
Um defensor queria se manifestar antes da votação dos ministros para a chamada “sustentação oral”, quando as representações da parte apresentam seus argumentos. Moraes negou a solicitação sob o argumento de que o regimento não permitia.
“A Primeira Turma já tem pacificado que nos agravos internos não cabe sustentação oral. O Regimento Interno do Supremo tem força de lei. Lei específica, prevalecendo sobre a norma geral”, disse o ministro ao defensor.
A negativa não agradou a OAB, que elaborou uma nota na qual manifestou “preocupação com a flexibilização ou supressão do direito constitucional ao contraditório e à ampla defesa pelo Supremo Tribunal Federal”.
Segundo a Ordem não houve “reconhecimento da prerrogativa da advocacia de proferir sustentações orais de forma presencial, durante as sessões, nas hipóteses previstas em lei”.
A nota assinada por Simonetti diz que a sustentação oral é parte do direito de defesa, uma garantia constitucional que “não se submete a regimentos internos, mesmo o do STF”.
“Tais regimentos regulamentam o funcionamento dos tribunais e não podem corrigir ou suprimir direitos constitucionais regulamentados por leis federais. A negativa de proferimento de sustentações orais previstas em lei representa violação da lei processual e da Constituição”, diz a manifestação.
Dentro da Defensoria Pública da União, a decisão de Moraes também repercutiu, já que o réu era representado por um defensor.
À reportagem o defensor público da União Gustavo de Almeida Ribeiro, que atua perante o Supremo, diz que a sustentação oral tem ganhado importância porque “cada vez mais, os processos em trâmite no STF são julgados no sistema virtual e decididos de maneira monocrática, principalmente os habeas corpus”.
Por isso, acrescenta ele, quando há ações que discutem temas em que há controvérsias e são levados para o sistema presencial, é fundamental “que seja permitida a sustentação oral, porque ela permite que a defesa leve ao conhecimento dos julgadores questões importantes, que muitas vezes devem ser observadas para análise daqueles casos”.
A Defensoria, assim como a OAB, tem entendido que cabia sustentação oral no caso em questão.
Em setembro, a OAB já tinha se manifestado em pedido para o Supremo sobre a intenção de Moraes de julgar a maioria das ações dos réus dos ataques golpistas de 8 de janeiro em plenário virtual.
O pedido foi feito à presidente do Supremo à época, Rosa Weber, atualmente aposentada. A Ordem pedia que se reconsiderasse o envio para plenário virtual dos julgamentos.
“É posição histórica da Ordem no sentido de que a definição pela modalidade virtual de qualquer ato judicial, incluindo julgamentos, fique a cargo das partes do processo”, afirma o documento, assinado por Simonetti e outros membros da instituição.
Rosa abriu o pedido para manifestação de Moraes, que afirmou em ofício que “o julgamento em ambiente virtual garante integralmente a ampla defesa e o contraditório, em absoluto respeito ao devido processo legal, não havendo, portanto, razão para qualquer reconsideração”.
PLENÁRIO VIRTUAL TROUXE EFICIÊNCIA E É TRANSPARENTE, DIZ MINISTRO
Procurado pela Folha, o ministro Alexandre de Moraes respondeu por meio da assessoria do Supremo.
“O Plenário Virtual, em funcionamento desde 2016, trouxe mais eficiência e colegialidade às decisões do Supremo Tribunal Federal”, diz o comunicado.
“É preciso lembrar que as sessões colegiadas presenciais são limitadas às quartas e quintas e, em média, dois casos são julgados por sessão. Com o Plenário Virtual, o STF aumentou a quantidade de decisões colegiadas e reduziu o total de decisões individuais.”
Também afirma que o plenário virtual é “absolutamente transparente e democrático” por uma série de razões.
Entre elas, porque a pauta fica disponível no site com uma semana de antecedência, os advogados podem enviar vídeo com a sustentação oral até 48 horas antes da sessão e, durante o julgamento, podem apontar questões de fato ou memoriais, além de pedirem o envio ao presencial.
“Mesmo com um sistema transparente e que permite maior acesso à Justiça, o Supremo tem ouvido sugestões e está aberto a contribuições da sociedade para se aprimorar. O próprio Plenário Virtual tem passado por aprimoramento constante e há estudos em andamento para implantar melhorias”, diz.
A respeito da negativa para a sustentação oral, Moraes afirma que apenas aplicou uma decisão unânime da Primeira Turma, tomada em 2022 na ação originária 2.666, que não cabe sustentação em agravo regimental.
Sobre a Abin, diz que “todos que pediram vista tiveram o acesso autorizado, exceto em relação às diligências em andamento. Pela súmula vinculante vigente, nesses casos é preciso aguardar o fim das diligências”.
Matéria publicada em 18 de novembro de 2023 06:55
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